HA, THA E OUTRAS PAISAGENS
OU A PINTURA «HATHA YOGA» DE ANA GONÇALVES
Câmara Municipal de Lagoa (Açores)
Edifício dos Paços do Concelho
De 24 de Junho a 24 de Julho
ANA GONÇALVES expõe nos Açores – onde assentou residência artística – a sua pintura serena (mas nunca inerte) plena de inspiração HATHA YOGA – disciplina da qual é também mestre – e de reflexos das ancestrais paisagens açorianas onde também o mito da Atlântida se casa com o olhar sobre as águas profundas do alto de um Pico que se eleva acima das nuvens, e o voo do Corvo transporta o olhar como num tapete mágico.
Fake selfportrait / by unknown, made of Anna's artistic material
«HA, THA E OUTRAS PAISAGENS»
por Ana Gonçalves
Circularidades
Se, das impressões que guardo da ilha de São Miguel, tivesse que seleccionar a que maior impacto provocou em mim, escolheria a passagem do tempo, vivida através da observação diária dos ciclos da Natureza.
As árvores, nuas ou vestidas, a migração das aves e o eterno retorno das flores e dos animais, aparecendo e desaparecendo nos pastos, os seus percursos, e os dos homens, desenhados no chão de erva fresca, o vai-e-vem das ondas do mar, o céu movendo-se por cima de nós, azul, verde, cinza, rosa… tudo isso numa só imagem, a do círculo, lançou o mote a esta exposição.
De acordo com o Dictionnaire des Symboles de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant[1], o círculo representa «o mundo distinto do seu princípio». Se considerarmos o ponto como origem simbólica primordial, o círculo representará (enquanto extensão daquele), não a sua «perfeição escondida» (pois o ponto é «perfeito, homogéneo e indivisível»), mas antes o «efeito criado» ou, dito de outro modo, a criação. (1982:191)
Ha, Tha e Outras Paisagens
O título desta exposição poderia bem ter sido «O Sol, a Lua e Outras Paisagens». No entanto, não era o Sol, estrela à volta da qual nove (ou mais) planetas circulam, ou a Lua, satélite que continuamente gira em volta da Terra, que desejava evocar. Era e é, tão só, a associação destes astros – que, desde sempre, fascinaram o ser humano – a uma ideia, mais interna e, porventura, subconsciente, de polaridade.
Segundo os autores supracitados, o sol é princípio activo, na medida em que irradia luz, e a lua princípio passivo, pois apenas reflecte a luz do sol. E assim, a partir daqui se podem multiplicar as aplicações simbólicas:
(…) Na medida em que a luz representa o conhecimento, o sol está para o conhecimento intuitivo, imediato; a lua, para o conhecimento reflexivo, racional, especulativo. Consequentemente, o sol e a lua correspondem respectivamente ao espírito e à alma (spiritus et anima), e aos seus lugares: o coração e o cérebro. Estes são a essência e a substância, a forma e a matéria (…). (1982:892)
Mais:
(…) Os olhos dos «heróis primordiais» [em cultos indianos e chineses] são sol e lua (olho direito = sol; olho esquerdo = lua) e, embora as correspondências se invertam no caso de algumas etnias, esta ligação aos olhos remete para uma outra: o olho esquerdo corresponde ao futuro, o olho direito ao passado; assim o sol ao intelecto, a lua à memória. (1982:893)
Finalmente:
(…) Estes olhos solar e lunar correspondem aos dois nadi [canais de circulação energética] laterais do Yoga: ida lunar e pingala solar. (…) O Yoga é a união do sol e da lua (ha e tha, de onde Hatha Yoga), representados pelos sopros prana e apana, ou ainda pelo sopro e pelo sémen, que são o fogo e a água. (…) (idem)
Era, portanto, uma dinâmica de fértil oposição e complementaridade, entre estes princípios fundamentais, que interessava contemplar. Pelo caminho, porém, novos dados se juntaram ao jogo de hesitação e escolha, de exaltação e silêncio, que todo o fazer implica. Notas de cor translúcidas e fragmentos de um arquivo pessoal de imagens se foram insinuando e assim surgindo, durante o processo, como «outras paisagens», para além dos ciclos do sol e da lua.
E é essa série de trabalhos – momento extraído de um movimento contínuo e, portanto, também ele, circular – que esta exposição aqui reúne e apresenta.
Ana Gonçalves
Junho de 2011
[1] CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain (1982), Dictionnaire des Symboles. Paris: Robert Lafont / Jupiter. Tradução livre e adaptada de Ana Gonçalves.-
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